Por que
será que nos indignamos com frases do tipo “Se meu filho for gay vai apanhar
até virar macho!” mas não nos indignamos com outras do tipo “Poxa, o cara é
gay, sofre tanto preconceito quanto qualquer outro e está lá sendo
preconceituoso com afeminados!”?
A lógica
que opera por trás destas duas frases é muito parecida: a de que a dor, o
sofrimento, o suplício é capaz de transformar uma pessoa. E este raciocínio,
embora não encontre nenhum respaldo nas ciências, parece amplamente difundido.
Assim como
apanhar não fará com que alguém mude o seu desejo sexual, seu gênero ou
qualquer outra coisa, tampouco sofrer preconceito fará com que alguém aprenda a
ser menos preconceituoso.
Uma pessoa
só aprenderá a respeitar a diversidade, e quem sabe até a admirá-la, se entrar
em contato com pessoas e meios culturais que tenham estes valores libertários.
Trará consigo toda sua bagagem anterior (que no caso do Brasil vem de muitas
escolas, da grande mídia, de algumas determinadas instituições religiosas
fundamentalistas, etc, que são grandes poços de homofobia, aversão ao diferente
e preconceito) e será a custa de muita reflexão, conversa com amigos, leituras
e (con)vivências que algo poderá se transformar, que uma pessoa antes
preconceituosa, mesmo que contra grupos
que ela mesma pertença, poderá vir a ser mais humana, mais tolerante e aberta à
diversidade.
E nisso
tudo foi necessário tempo para aprender, mudar e transformar a própria mentalidade
e comportamentos.
Quem não
tem aquela amiga ou aquele amigo que era homofóbica(o) na escola e depois que
começou a andar com outras pessoas ou que entrou na faculdade mudou seu
pensamento? E quem já não ouviu histórias de famílias que eram super
conservadoras, mas que depois de um outing de um membro querido, com a
convivência, o tempo e a informação não foram se tornando mais abertas,
receptivas e acolhedoras?
Muitas
pessoas que hoje são vozes potentes de um discurso libertário, que buscam a igualdade
e o fim da discriminação não nasceram em berço esplêndido, ao contrário,
tiveram que pensar, refletir e mudar muito ao longo do tempo para chegarem ao
atual nível de elaboração e crítica que alcançaram. Por que deveríamos nos
impacientar e exigir toda essa reflexão crítica de quem está começando? Ou
seja, nada de fazer a Susana Vieira: desconstruir preconceitos, desmistificar
temas, mostrar outras possibilidades de se estar no mundo pode ser mais
difícil, mas os frutos podem ser bem mais saborosos!
Nesta linha
de pensamento, diametralmente oposto ao que grupos mais conservadores pregam,
como exercer a sexualidade-diversa apenas em locais reservados e não
manifestar-se publicamente ou politicamente a favor da diversidade, é possível
afirmar que outras ações como uma saída do armário com a cabeça erguida, um
andar de mãos dadas na rua, conversas francas com quem estiver minimamente
aberto a receber novas informações e esclarecimentos sobre a diversidade sexual
e o debate no campo social e político por direitos iguais são todas estratégias
que se fazem sim necessárias para uma efetiva mudança social e individual.
É claro que
isso não reduz a questão da violência contra a diversidade sexual (ou contra
outros grupos sociais), tampouco esgota as possibilidades de intervenção contra
o preconceito e a discriminação, mas é um ponto a ser levado em consideração em
tempos de internet e redes sociais, onde as estratégias de atuação podem
facilmente descambar para um “unfollow” ou um “unfriend” que em nada mudam a
realidade em que vivemos, ou a construção e manutenção de pequenos guetos de
sociabilidade.
Também não
estou aqui jogando a culpa ou a responsabilidade pelo preconceito e
discriminação nos ombros dos próprios LGBTTs, apenas estou apontando
estratégias que pode ter efeitos benéficos. É claro que ações coercitivas
contra o preconceito e discriminação são também necessárias em muitos
casos.
O ser
humano é capaz sim de mudar, de se transformar e de desenvolver ideias e uma
sociabilidade mais solidária, mas em contraste com a velocidade do mundo das
comunicações e invenções tecnológicas, as mudanças individuais e coletivas
exigem um tempo que é da ordem do humano e que não ocorrem na base da ameaça ou
violência, tampouco com pressa.
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